domingo, 4 de outubro de 2009

Aventura de D. Quixote e Sancho Pança na Lusilândia( 1999 )





Aventura de D.Quixote e Sancho Pança na Lusilândia ou:



A PROMISCUIDADE E A IGUALDADE: Segundo Gutazar I, o Prometedor!



Se, por curiosidade ou desconfiança, consultar o dicionário, verá que tanto a promiscuidade como a igualdade são substantivos ou nomes femininos, comummente abstractos, porque qualidade ou estado raramente visíveis e explicitamente concretos, mas passo a copiar essas definições, segundo a Porto Editora: pág.1156, promiscuidade: s.f. qualidade ou estado de promíscuo; mistura confusa e desordenada.; pág.776, igualdade: s.f. qualidade do que é igual; correspondência perfeita entre as partes de um todo; organização social em que não há privilégio de classes; equação; identidade “— ponto final, fechar dicionário!
Só que o calhamaço não refere que cada ser humano tem e justifica a própria versão de tais conceitos. Eu — porque não passo de um Luís menor ou, se preferirem, um zé ninguém, mas posso incomodar muita gente, sobretudo agora, nestes vangloriosos tempos, em que uma ditosa maioria pensar ter o rei na barriga e a verdade absoluta na mona, — decidi escrever uma parábola, copiando Miguel, o Cervantes, pois imitar Jesus, o Cristo, não me atrevo, para não ser crucificado, porque espoliado do sonho — que comandava a minha vida — há muito que o fui!

Neste mundo virtual, em que a ficção está a por o carro à frente da realidade — eh! Não vejam nisto nenhuma maldade, é só para renovar um pouco o velho ditado e pôr os boys a descansar mais um bocado — há um país, à beira mar plantado, a Lusilândia, que, na opinião de muitos analistas, possuiu o húmus ideal para criar bananas rosadas, atributo sine qua non da penetração no mercado de sua Majestade Gutazar I, o Prometedor! Com efeito, depois de obter cinicamente o poder quasi-absoluto sobre os súbditos do seu reino, à força de muitas promessas e água benta na mona dos seus fiéis e devotados acólitos, e graças à aquiescente abstenção dos nacionais e dos emigrantes, El Genial, Generoso e más Grande Comandante, até conseguiu inventar uma versão virtual da promiscuidade e da igualdade!
Mas que coisa mais normal nesse país virtual, onde, depois do perfeito bananal e seguindo o princípio do menor esforço e do maior proveito, tudo é naturalmente banal, porque, como cada roca tem seu fuso, toda a terra tem seu uso! E os costumes da nossa sempre foram muito brandos.
Está a torcer o nariz? Mau! Não aprova, não sabe, ou não quer? Se não sabe é porque anda mal informado! Pois, agora já pouca gente lê jornais diários, porque lá na Lusilândia há tantos incendiários que já falta pasta para fazer papel e o pouco que sobra tem que ser para fazer estrume para alimentar e manter na moda o orgulhoso bananal cor-de-rosa ! Se o irritei, direi que vê muito a RTPi, mas sempre as mesmas novelas e as balelas chatas daqueles apresentadores virtuais, que nem secretária possuem, onde tudo se engraxa e põe no altar, ou então os comentadores de futebóis, onde tudo se bota a baixo, isto só para contrariar! Desculpe, mas tenho que deixar o meu diagnóstico a meio, porque, se não sonho, alguém chama por mim ou estou a cair na realidade virtual! Ai que dor de cabeça…, de tão confuso, já vejo tudo obtuso!


— Ou! Ei! Ou! Ò tu aí! Como te chamas? — indagou o cavaleiro das estrelas.
— Sancho Pança! Mas... que me quer o meu senhor! Ei, pare aí, homem de Deus! Escusa de brandir essa lança que eu nunca fiz mal a ninguém! Nem aqui nem além, nem lá p'ra riba nem lá p'ra baixo!
— Sim, mas tens olhos na cara para veres que na Lusilândia há alguém que se está a armar arma em Santo António dos Cavaleiros... do Apocalipse.!
— Então não havia de ver! Cego não sou e nem preciso de lunetas!
— Vá, deixa-te de lérias e puxa lá pela mona, que a tens bem grande, e diz-me se promiscuidade e igualdade não te fazem pensar em ninguém.
— Ui! A Alguém e de mui importante, queria vossa mercê dizer! — esclareceu o escudeiro.
— Pois, com as ganas que lhe estou… Ei, sabes ou não sabes?
— Então não houvera de saber, mestre?! És El mui Genial, Generoso e más Grande comandante Senor Gutazar de Lusilândia, d’ Algarve, d’África,e d’ Ásias maiores e menores e de las Américas do Cima, do Baixo e do Meio , sem esquecer d’ Europa…
— Basta de títulos, desgraçado, que já me deixaste azedado!
— Eu ainda não expliquei tudo, meu senhor!
— Mas poderá, porventura, um monhé ou um mongo pançudo como tu explicar a realidade virtual?
— Pronto, se acha que sou assim tão choné ou monhé porque me pediu que puxasse pela mona?
— Foi só para saber se estava a sonhar com bruxas ou tinha os pés bem assentes no chão. Vá, fala, Sancho, fala!
— Se bem me lembro…, não foi sua Majestade Gutazar, El Más Grande Comandante e o todo Omnipotente protector de Timor Oriental, — de quem o senhor D. Quixote pouco gosta, está-se mesmo a ver, — que, para declarar guerra à promiscuidade, decidiu eleger e elevar à categoria de ministro, secretário ou comissário o seu confessor, — pois a promiscuidade para ficar bem limpa tem que sair primeiro da alma —, achando que aquela seria a solução providencial, sobretudo no mar de rosas daquele banal?
— Pois, é como nos incêndios: mata-se o fogo com o fogo! Mas…, continua que afinal não és tão mongo como pareces!
— Ai, se me faz assim tão… burro, porque me pedirá o senhor todos estes conselhos?
— Não vês que estou a pôr-te à prova, Sancho? Anda, desembucha homem, que estou com fome!
— De quê? Assim tão esquelético o senhor também precisa de comer? — zombou o barrigudo.
— Se soubesses o larote que tenho à injustiça! Ai que ganas! Ai…
— Acalme-se lá, senão morre cedo, Mestre! Vá, se isto o pode consolar, e como ando desempregado, estou disposto a segui-lo até à Lusilândia para declarar guerra às bruxas, à promiscuidade e à Igualdade!
— Ah! Agora és tu que tens um lapsus linguae, Sancho! P'rá próxima vez, pensa primeiro, homem de Deus! Nós vamos declarar guerra à Desigualdade, Sancho!
— Não, não tive nenhum lapsus linguae, mestre! Então aquele Ministério da Igualdade não foi a artimanha que Gutazar teve para matar dois coelhos de uma só cajadada?
— Ai! Querem ver que o escudeiro se está a armar em Cavaleiro! Houve, tu nasceste para servir, Sancho! O único que pode combater as bruxas que se refugiaram nos moinhos de vento sou eu, Dom Quixote de la Mancha, ouviste?
— Pois, com essa raiva toda, o mestre só podia ter ficado contaminado!
— Deixa-te de lérias baratas e de reflexões abstractas, escudeiro, e explica-me lá essa das duas cajadadas!
— Então o Senhor Gutazar, justo como quer parecer e sábio como é, teve que engendrar uma maneira de branquear a desigualdade e sonhou com Ministério da Igualdade, que entregou à favorita da sua corte, para que ela distribuísse os trezentos milhões, com que se devia ter sarado a saúde (profunda ) mental) do povo, pelos afilhados!
— Ah! Agora, percebo! — bradou o cavaleiro, também ele inspirado por uma visão messiânica.
— Ai percebe? Então diga lá para eu perceber se você é verdadeiramente inteligente ou…se faz!
— Então tu não vês, nobre Sancho, que se os trezentos milhões fossem realmente aplicados a sarar as mazelas mentais do povo, ninguém acreditaria nas lérias e nas balelas e…adeus poder absoluto!
— Nunca imaginei que a realidade da sua sabedoria virtual fosse tão pura como é! Realmente o D. Quixote é verdadeiramente o maior e o mais valentes dos Cavaleiros apocalípticos!
— Apocalípticos! Isso mesmo, vamos que o Combate Final vai começar na Lusilândia, onde tudo irá de mal a pior, se o senhor Gutazar lá enraizar o ba(na)nal! Ai que raiva, meu Deus! Abaixo Gutazar! Ao ataque! Morra Gutazar! — gritou desesperadamente D. Quixote, brandindo a sua lança de papel.
— Mestre!! Espere por mim, mestre! Não pique tanto o seu cavalo que a minha burra anda de barriga cheia! D. Quixote! Não me deixe aqui sozinho! — implorou o escudeiro, agarrando-se ao animal.
— Despacha-te, Sancho! Se a burra também tem a pança cheia, deixa-a pastar à vontade e vem pés calcantes. Morra Gutazar! Abaixo o ditador! Morra Gutazar! Ai… Ai que dor…
— Ainda bem que se dói, mestre, porque quem não se sente não é filho de boa gente!
— Ai! Ai!...

Mesmo sabendo que gritava para orelhas moucas, D. Quixote berrou tanto que perdeu o pio a meio do caminho. E, reconhecendo no escudeiro as mais nobres qualidades, o armou ali Cavaleiro das Estrelas, para que os gritos do Sancho Pança chegassem por ele e por todos os injustiçados da Lusilândia aos Céus e fizessem acordar aquele que nunca devia dormir!"

Esta parábola não passa de uma pura ficção, mas, se por mera coincidência, for mais real que a virtualidade, considere-se apenas como mais um aviso azarado, que quis que da mentira saísse tal verdade! Quanto aos pobres milhões, comprei―os na loja dos trezentos!

LMP — Luxemburgo, 03-11-1999 13:38:27

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